segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Lembranças

Caberia ao homem saber
As infinitas lembranças que permanecem
No âmago de seu ser,
E em suas lágrimas adormecem?

Algumas sementes plantadas
Em terras distantes, desconhecidas.
De uma chuva de palavras jamais faladas
Nasceram as mais belas flores, porém esquecidas.

Fins digladiam-se em busca de origens,
Enquanto sóis e luas correm.
Perdido em uma floresta de vertigens,
Quando as primeiras lágrimas escorrem.

Estreito rio que deságua em sua face quente,
De águas claras que congelam qualquer reação.
Onde se escondia sua nascente?
Nos olhos ou no coração?

A gota que ao chão se lança
Logo seca, mas se faz eterna.
Nutre as flores, desperta a lembrança
Dessa vida sempiterna.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Noite Sem Luar

Hoje, a noite não tem luar.

Hoje, sobre as luzes difusas dessa cidade agitada, a lua intimidou-se. Pediu às nuvens esconderijo e estas, como nobres cortesãs, acomodaram-na. Noite após noite, a lua era quem clareava os corações cansados que trafegavam por essas ruas embaralhadas, ora estreitas, ora largas, numa enorme confusão. Cintilante, dizia tudo a todos, mas nem juras de amor nem palavras tristes sequer chegavam aos seus ouvidos. Talvez falte-nos tempo, falte-nos vontade. Falta-nos alma e coração, eis a verdade. A lua, enfim, descansava.

E, que surpresa, há alguém que notou sua ausência. Sentada sobre sua cama desarrumada, que fica em frente à janela ( alimentando-se da doce luz lunar - quem sabe seria esse o motivo para tão belos sonhos), aquela adorável jovem admirava o silêncio. Observava as nuvens e queria culpá-las pelo sumiço da lua. Na escuridão em que encontrava seu quarto, após uma reflexão rápida, porém profunda, havia decidido: acenderia uma vela. Não para orações nem por tributo a algo ou a alguém, mas simplesmente pelo fato de sentir uma luz natural a iluminar seu corpo, sua mente, seu coração.

Tomou em mãos uma vela que dormia esquecida ao fundo de uma gaveta e acendeu-a. A pureza da menina mesclava-se com o calor do fogo. A tênue luz pousava sobre sua pele clara e macia. Aproximando a vela à sua face, pôde sentir o calor penetrar-lhe suavemente, enquanto os olhos apreciavam aquela vivaz dança da chama.

Em passos curtos, caminhou até uma estante onde sorriam, em fila, suas bonecas. Eram bonecas de pano. Calmamente, ela iluminava uma a uma, tentando captar, naquele ambiente quase escuro, cada detalhe. Viu o colorido dos cabelos de lã. Notou os sorrisos em tom rosado. As bochechas vermelhas. Os lacinhos, os vestidinhos bordados com os mais variados desenhos. Os olhos, pintados e de botões. Havia cor e vida sobre aquela velha estante carcomida. Agora, a chama que aquecia seu coração era a mesma que amornecia suas lágrimas. Lembrou-se da sua infância, de momentos de deleite indescrítiveis por que passara e, inclusive, de algumas palavras que lhe foram ditas enquanto mãos e linhas davam vida àquelas bonecas. Docemente, lançou um sopro brando em direção à vela. A brisa fez a chama adormecer, mas não as lembranças. Estas, banhavam-se, mais vivas do que nunca, nas águas da memória.

Hoje, a noite não tem luar. Mas, dentro do coração daquela menina, a lua brilha intensamente.

domingo, 8 de novembro de 2009

Amplidão

Perante a amplidão do horizonte,
Perante as ondas do céu
Pelas quais mesclas de cores navegam ao redor do sol,
Perdi-me de mim.

Perdi-me,
Enquanto a luz penetrava em meus olhos,
Enquanto o vento soprava melodias em meus ouvidos.

Perdi-me,
Enquanto o ar mergulhava em rios do meu sangue,
Enquanto meu peito se movia acelerado,
Enquanto minhas mãos exalavam algum calor.

Perante minha vitalidade,
Perante a avidez de perfeição,
Esbarrei em reflexos distorcidos de minha alma e perdi-me.
Perdi-me em meu silêncio.

E da mudez de um poeta,
Cuja voz covardemente o abandona,
Nasce esta poesia muda,
Que tanto grita.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Nuvens

Estou ébrio de desilusão.
Engulo palavras recém-formadas,
Evaporam-se pensamentos recém-nascidos,
À minha frente, ofuscam-se cores, irisam-se negrumes.

Asas não me nascem às costas,
Para que possa sobrevoar os desesperados.
Fito-lhes nos olhos, que vertem lágrimas de escárnio,
Observo-lhes a face, que figuram risos de angústia.

Estou ébrio do tempo.
Sou seu filho rebelde e inconformado.
Não sou capaz de controlá-lo,
Mas ele me domina, numa eterna escravidão.

Como queria ser como nuvens.
Eternas viajantes, que pairam no céu,
E respiram todos os ares.
Sem pressa, sem vida, eternas.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Liquidação! Liquidação!

Hoje, valerá a pena sair de casa!
Tenho sob meu poder algo de que vocês precisam. E muito.
Algo que lhes ajudará a seguir em frente.

Caros humanóides, eu lhes ofereço nada mais nada menos que a felicidade!
Se a felicidade em si é algo muito complexo e complicado, vocês a materializaram o suficiente para que ela se torne a mais simples das teorias.
Uma teoria simples, fácil e prática.
Não sei mais se a vida é uma caixinha de surpresa, mas sei que a felicidade vem em caixinhas.
E, sobre minhas prateleiras, pilhas e pilhas amontoam-se.
Pilhas e pilhas.

Caminhem ritmicamente pelos corredores, vão com calma.
Caso tenham dúvida, basta que verifiquem o manual de instrução.
Sei que vocês o carregam (sempre) em seus bolsos.

Façam filas, conglomerados, risquem sorrisos em suas faces.
Se abracem, agradeçam, tentem expressar alguma coisa.
Criem novas teorias: será um prazer desvendá-las.

Por fim, lembrem-se: a felicidade é o combustível de suas vidas. E suas vidas, garanto-lhes, é minha maior felicidade!


quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Espetáculo

Convidaram-me para ser ator.
Ator de uma peça da qual eu não queria participar.
O fato é que nunca consegui me acostumar com o público.
Aplausos, silêncio, aplausos, silêncio.
Tal alternância me parecia incoerente, e eu sempre pensava o quão incoerente era cada movimento meu, sobre aquele palco pouco iluminado.
Diziam-me que, enquanto ator, deveria fazer com que as pessoas expressassem sua essencialidade, sentissem-se vivas, humanas.
Diziam-me que eu deveria fazer com que as pessoas rissem, chorassem, ou demonstrassem quaisquer sentimentos, por mais artificiais e ligeiros que fossem.
Quer saber?
Isso é responsabilidade demais pra mim.
Eu, um mero ator.
Por quais motivos eles me atribuem tal tarefa? O que os fazem pensar que sou capaz de roubar sorrisos, lágrimas, gestos?
Sentimentos ligeiros e artificiais.
Em que se consiste a ligeireza do seu sorriso? Seriam os segundos entre os quais você movimenta sua boca?
Em que se consiste a ligeireza da sua lágrima? Seria a velocidade com que ela rasga seu rosto?
São ligeiros movimentos, certamente. Mas seriam eles artificiais? Talvez possam ser.
Mas quem sou eu para julgar?
Eu, um mero ator.
Quando pretendia extrair risos, arrancava lágrimas. Quando lágrimas pretendia enxergar, via risos brilhantes estampados naquela platéia escura.
Aplausos, silêncio, aplausos, silêncio.
Silêncio, aplausos, silêncio, aplausos.
Tudo muito rápido, artificial.
Mas o que sou eu senão a artificialidade em pessoa? A artificialidade no palco, na Terra, na vida?
Ora, sou um ator.
Ator de uma peça da qual não queria participar.
E agora, tento encaixar peças, para montar a grande farsa que é este espetáculo.

Sou a cura do mundo, à procura de minha própria cura.


quinta-feira, 13 de agosto de 2009