quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Noite Sem Luar

Hoje, a noite não tem luar.

Hoje, sobre as luzes difusas dessa cidade agitada, a lua intimidou-se. Pediu às nuvens esconderijo e estas, como nobres cortesãs, acomodaram-na. Noite após noite, a lua era quem clareava os corações cansados que trafegavam por essas ruas embaralhadas, ora estreitas, ora largas, numa enorme confusão. Cintilante, dizia tudo a todos, mas nem juras de amor nem palavras tristes sequer chegavam aos seus ouvidos. Talvez falte-nos tempo, falte-nos vontade. Falta-nos alma e coração, eis a verdade. A lua, enfim, descansava.

E, que surpresa, há alguém que notou sua ausência. Sentada sobre sua cama desarrumada, que fica em frente à janela ( alimentando-se da doce luz lunar - quem sabe seria esse o motivo para tão belos sonhos), aquela adorável jovem admirava o silêncio. Observava as nuvens e queria culpá-las pelo sumiço da lua. Na escuridão em que encontrava seu quarto, após uma reflexão rápida, porém profunda, havia decidido: acenderia uma vela. Não para orações nem por tributo a algo ou a alguém, mas simplesmente pelo fato de sentir uma luz natural a iluminar seu corpo, sua mente, seu coração.

Tomou em mãos uma vela que dormia esquecida ao fundo de uma gaveta e acendeu-a. A pureza da menina mesclava-se com o calor do fogo. A tênue luz pousava sobre sua pele clara e macia. Aproximando a vela à sua face, pôde sentir o calor penetrar-lhe suavemente, enquanto os olhos apreciavam aquela vivaz dança da chama.

Em passos curtos, caminhou até uma estante onde sorriam, em fila, suas bonecas. Eram bonecas de pano. Calmamente, ela iluminava uma a uma, tentando captar, naquele ambiente quase escuro, cada detalhe. Viu o colorido dos cabelos de lã. Notou os sorrisos em tom rosado. As bochechas vermelhas. Os lacinhos, os vestidinhos bordados com os mais variados desenhos. Os olhos, pintados e de botões. Havia cor e vida sobre aquela velha estante carcomida. Agora, a chama que aquecia seu coração era a mesma que amornecia suas lágrimas. Lembrou-se da sua infância, de momentos de deleite indescrítiveis por que passara e, inclusive, de algumas palavras que lhe foram ditas enquanto mãos e linhas davam vida àquelas bonecas. Docemente, lançou um sopro brando em direção à vela. A brisa fez a chama adormecer, mas não as lembranças. Estas, banhavam-se, mais vivas do que nunca, nas águas da memória.

Hoje, a noite não tem luar. Mas, dentro do coração daquela menina, a lua brilha intensamente.

domingo, 8 de novembro de 2009

Amplidão

Perante a amplidão do horizonte,
Perante as ondas do céu
Pelas quais mesclas de cores navegam ao redor do sol,
Perdi-me de mim.

Perdi-me,
Enquanto a luz penetrava em meus olhos,
Enquanto o vento soprava melodias em meus ouvidos.

Perdi-me,
Enquanto o ar mergulhava em rios do meu sangue,
Enquanto meu peito se movia acelerado,
Enquanto minhas mãos exalavam algum calor.

Perante minha vitalidade,
Perante a avidez de perfeição,
Esbarrei em reflexos distorcidos de minha alma e perdi-me.
Perdi-me em meu silêncio.

E da mudez de um poeta,
Cuja voz covardemente o abandona,
Nasce esta poesia muda,
Que tanto grita.