Convidaram-me para ser ator.
Ator de uma peça da qual eu não queria participar.
O fato é que nunca consegui me acostumar com o público.
Aplausos, silêncio, aplausos, silêncio.
Tal alternância me parecia incoerente, e eu sempre pensava o quão incoerente era cada movimento meu, sobre aquele palco pouco iluminado.
Diziam-me que, enquanto ator, deveria fazer com que as pessoas expressassem sua essencialidade, sentissem-se vivas, humanas.
Diziam-me que eu deveria fazer com que as pessoas rissem, chorassem, ou demonstrassem quaisquer sentimentos, por mais artificiais e ligeiros que fossem.
Quer saber?
Isso é responsabilidade demais pra mim.
Eu, um mero ator.
Por quais motivos eles me atribuem tal tarefa? O que os fazem pensar que sou capaz de roubar sorrisos, lágrimas, gestos?
Sentimentos ligeiros e artificiais.
Em que se consiste a ligeireza do seu sorriso? Seriam os segundos entre os quais você movimenta sua boca?
Em que se consiste a ligeireza da sua lágrima? Seria a velocidade com que ela rasga seu rosto?
São ligeiros movimentos, certamente. Mas seriam eles artificiais? Talvez possam ser.
Mas
quem sou eu para julgar?
Eu, um mero ator.
Quando pretendia extrair risos, arrancava lágrimas. Quando lágrimas pretendia enxergar, via risos brilhantes estampados naquela platéia escura.
Aplausos, silêncio, aplausos, silêncio.
Silêncio, aplausos, silêncio, aplausos.
Tudo muito rápido, artificial.
Mas o que sou eu senão a artificialidade em pessoa? A artificialidade no palco, na Terra, na vida?
Ora, sou um ator.
Ator de uma peça da qual não queria participar.
E agora, tento encaixar peças, para montar a grande farsa que é este espetáculo.
Sou a cura do mundo, à procura de minha própria cura.